27.5.09

Boneco do Armageddon

Originalmente postado em www.somtestesom.blogspot.com


Mulheres de Marte (2008)

Abaixo, uma interpretação muito particular.

Com o lançamento intergaláctico de seu novo disco (ainda faz sentido falar em formato físico?), intitulado Mulheres de Marte (2008), o bonequinho+< - garage-act brasileiro e bauruense que já completa 16 anos de marcha pelos pântanos do underground - convida uma vez mais o experimentalismo pra dançar. Não espere encontrar aqui um hit como a clássica e longíqua "She is Mine" ou a visceral "Without a Sound" (do ótimo Alien Totem de 2006). Não. De alguma forma, MULHERES... parece uma continuação lógica de Gottanz - Vol.1 (2007), igualmente repleto de colagens sonoras sobrepostas a bases improvisadas e pouquíssimos vocais (que, quando aparecem, podem ser mais classificados como intervenções). Aqui, a atmosfera domina, num clima de pós-rock extremo e apocalíptico (esqueça Tortoise e penduricalhos do gênero), com texturas de low/no-fi. Pelo formato, arrisco dizer que Gottanz Vol.1, seu espectral e lendário Vol.2 e Mulheres... formam algum tipo de trilo(r)gia do caos. O Fim dos Tempos já foi anunciado. bonequinho+< é seu arauto.

Começamos a audição com a fantástica "musso-koroni.double-intro", algo gaélica, tribal e hipnótica, que se derrama em noise e mastiga as caixas de som em seus momentos finais. "glue procession", segunda faixa, se arrasta etérea, bem conduzida pela bateria ao longe e pelos assovios melódicos e ameaçadores em primeiro plano, que fazem gelar a espinha por 4"19'. Depois disso, o quase-miolo do disco (entre as tracks 3 e 8) emula e encerra sua essência: barulho/espaços de reverberação/silêncio/catarse embebidos por uma estranha sensação de que alguém está te observando logo ali, com destaque para a perturbadora "drowned mermaid", tanto pelo nome quanto pela sonoridade em jatos de desespero líquido.

"elite popular", 9ª faixa de Mulheres... é uma das coisas mais diferentes já produzidas pelo bonequinho+<. Numa anti-dissolução do ego, o frontman Ar. Karriel se reforma em palavras de ordem ininteligíveis que se desmancham em urros inumanos. Um general morto-vivo à frente de uma legião de zumbis que invade uma favela sob céus de sangue. A batida, ao mesmo tempo marcial e caótica anuncia: já ultrapassamos em milhas o começo do fim. E a partir daí, o ruído constante será a trilha sonora de uma rápida descida ao inferno.

"strangling a swan in the mirror" sem-querer-querendo entrega uma das influências mais perceptíveis da banda, e aparece como se fosse um lampejo, sem agredir o conjunto, mas, de alguma forma, destacando-se dele. É um intertítulo grave na jornada pós-hecatombe nuclear. O clímax se forma com "popolution", cujo título pode ou não (nunca se sabe, quando se trata do bonequinho+<) guardar uma mensagem de reconstrução after absolute destruction. É a dor do crescimento. Regeneração, sofrimento, e "o que não me mata só me deixa mais forte". E ao chegarmos a "amor pela vida", 12ª peça do disco fica nítida a impressão de que tudo não passou de um pesadelo durante uma abdução violenta. Estamos, então, de volta à Terra, onde a vida nunca mais será a mesma. "monogamic snakes" fecha a rapsódia de forma tão venenosa e epiléptica que faz pensar "Talvez fosse melhor nunca ter acordado".

Mulheres de Marte é a trilha sonora perfeita para a conquista do planeta azul por pavorosos invasores extraterrestres que se alimentam de carne humana, além de fazer o Canibal Corpse e outros posers do gênero parecerem o Cat Stevens (não pelo peso, mas pela atitude e conceito). E o MELHOR disco do bonequinho neste século. Ouça sozinho, sem olhar pra trás.



E saiba mais (ou menos) aqui: http://www.bonequinhologia.blogspot.com

Tracklist

bonequinho+< - Mulheres de Marte (2008)
01. musso-koroni-double-intro
02. glue procession
03. tear ov joy
04. the reason you're not here ain't that simple
05. drowned mermaid
06. vakuum xcess
07. i've never kissed a carolina
08. exterlúdio
09. elite popular
10. strangling a swan in the mirror
11. popolution
12. amor pela vida
13. monogamic snakes

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